Engenheiro, historiador, escritor, vereador, jornalista e poeta, Augusto Ebremar de Bastos Meira foi, como se pode perceber, um homem de múltiplas atividades. Essencialmente, foi um homem público, um sentimental, de "temperamento ciclotímico, com altos e baixos", como o descreveu, depois da morte, o irmão Clóvis Meira.
Filho do nordestino (do Rio Grande do Norte) José Augusto Meira Dantas – que chegou a senador da República depois de iniciar-se, bacharel em Direito, como promotor público em Santarém, no governo Augusto Montenegro –, Augusto Meira Filho (adotou o "Filho" para homenagear o pai) foi, em primeiro lugar, um homem dedicado a Belém, onde veio à luz em 5 de agosto de 1915, e de onde partiu, definitivamente, a 8 de julho de 1980.
Presidente da Câmara Municipal de Belém no período de 1971 a 1973, exerceu três mandatos como vereador – seu nome, de todo modo, está fortemente vinculado a este Poder: o prédio que abriga a Câmara leva o nome de Palácio Augusto Meira Filho.
No dia 1º de fevereiro de 2011, a sessão solene de abertura dos trabalhos na Câmara foi antecedida pela inauguração de um Memorial em homenagem a Augusto Meira Filho. Ao descerrar a placa comemorativa, instalada no salão de entrada do prédio, o presidente da Casa, Raimundo Castro, destacou que era uma honra para este Poder, através do Memorial, eternizar a contribuição de Meira Filho, face aos importantes serviços prestados ao município. A distinção somou-se a uma homenagem anterior, o Brasão D’Armas, que o legislativo municipal atribuiu, post-mortem, ao eminente historiador, que legou uma expressiva bibliografia dedicada à cidade de Belém.
A placa estampa dois momentos significativos da vida do homenageado. A caricatura de João Pinto remete à primeira função pública assumida por Meira Filho, como diretor do Serviço de Águas, tendo diante de si o desafio de regularizar o abastecimento à população. Logo abaixo da ilustração, sob o título "Belém Infância, Belém Saudade", reproduz-se um longo poema de Meira Filho, em que expressa seu amor à cidade, da qual se dizia, e disso fazia questão de ressaltar, um eterno enamorado.
De bacamarte, sentinela do verde
Sim, Augusto Meira Filho era "o namorado da cidade". E igual a quase todo namorado, às vezes era possessivo. Impetuoso. Arrebatado.
Por conta desse amor, há diversos episódios em sua vida que, desbotados pelo tempo, a história vai tratando de colorir com as tintas da lenda, guardando-os no escaninho folclórico dos eventos urbanos.
Cultor das árvores, do verde e, em particular, defensor das mangueiras como tipo ideal para ser empregado na arborização de Belém (discordava dos que consideravam a mangueira, pelo seu tamanho, antiestética como arborização urbana; pelo contrário, achava-a ideal, "pois dá sombra e beleza à cidade"), foi convidado pelo então prefeito Stélio Maroja para planejar o replantio e restauração da Praça da República.
Logo descobriu que cumprir tal missão não seria tarefa das mais fáceis, mas a persistência seria sua aliada. Assim, teve de plantar, repetidas vezes, no mesmo local, uma árvore, pois esbarrou com inimigos também incansáveis em seu ofício predador: tornavam a destruir a muda replantada em substituição à anterior, arrancada.
Mas o nosso paladino do verde bateu-os pelo cansaço. Na sétima tentativa de fazer vingar a plantinha, quando já desanimava, topou, na manhã seguinte, com a seguinte frase, escrita num papel de embrulho, amarrado ao frágil tronco: "Doutor, esta fica pela persistência". Vitória da perseverança dos justos.
Morto, o múltiplo Meira condensou-se como efígie de historiador de sua terra natal. Nesta área, seu trabalho mais significativo entre mais de vinte obras publicadas, é o livro Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará, editado em 1975. Pessoalmente, o "doutor Meira", como o chamavam, era homem expansivo, alegre, de uma vitalidade radical. E, já vimos, compulsivo.
Na trincheira da batalha pela arborização, chegou a empunhar armas. É ele quem conta: "Certa vez, plantei uma árvore na Praça da República. Sabendo que iriam derrubá-la, saí às três horas da madrugada para o local, com o meu bacamarte, e lá me postei, de sentinela. Desta vez, ninguém se atreveu a derrubá-la".
Para o doutor Meira, a criatura que "destrói uma árvore é despida de qualquer sentimento, é uma personalidade sem definição". Quando se referia a "esses vândalos", o enamorado deixava-se contagiar pelo ânimo radical: "Se eu pegasse uma pessoa dessas, amarrava-a na árvore e escrevia: ‘este depredava a natureza’".
Sociedade dos Amigos de Belém
Ecologista avant la lettre – antes que o termo ganhasse a dimensão atual–, de que raízes teria surgido a devoção de Meira Filho às plantas? Mais uma vez, é ele quem aponta as origens dessa paixão embrionária: "Quando eu tinha uns cinco ou seis anos, e via machadinhas e terçados derrubando árvores, prometi a mim mesmo defender a natureza, tal a raiva que tive em ver tamanha crueldade".
O homem cumpriu a promessa do garoto. Presidente da Fundação Cultural do Estado, Augusto Meira Filho criou a Sociedade dos Amigos de Belém, destinada à luta em defesa do patrimônio cultural e do arvoredo. Além de plantar sementes, a entidade promovia palestras nos colégios e distribuía panfletos ecológicos, o que não parecia render bons frutos, pelo menos de imediato.
Afinal, de cada 100 árvores plantadas pela sociedade, 90 não vingavam, para desconsolo dos Amigos. "No passado, o maior inimigo das árvores eram as saúvas. Agora vieram outros tipos de inimigos, e contra esses não adianta inseticida", queixava-se.
Dentre esses inimigos, Augusto Meira identificava as empresas de construção civil, responsáveis por derrubadas indiscriminadas. Ele mesmo engenheiro, buscava conciliar profissão e vocação preservacionista. "Quando eu construía uma casa e a garagem ficava atrás de uma árvore, tentava, por todos os meios, construir a garagem sem sacrificar a planta".
Entre os livros que publicou, destacam-se os volumes O Bi-Secular Palácio de Landi; Contribuição à História da Pintura na Província do Grão-Pará no Segundo Reinado; Landi, Esse Desconhecido – o Naturalista; e Pedro Teixeira, o Desbravador da Amazônia.
Como jornalista, manteve, por vários anos, em A Província do Pará, a página "O Jornal Dominical", em que tratava de assuntos históricos e culturais, divulgando e defendendo o patrimônio histórico do Estado.
Entre os tantos testemunhos prestados por amigos quando da morte de Augusto Meira Filho, uma frase, que bem lhe poderia fazer as vezes de lápide, define-lhe a trajetória: "Foi um grande amigo de Belém". Melhor ainda: namorado. E dos fiéis.