Conflito no Acará: Representante da Agropalma assume 'problemas em registros de terras' e diz que empresa aguarda regularização
Em contrapartida, quilombolas mantém acampamento em área da qual foram expropriados na década de 1980, onde há cemitérios de comunidades tradicionais. Associação Brasileira de Antropologia pede regularização de território quilombola do Alto Rio Acará. Área dentro de fazenda controlada pela Agropalma, onde quilombolas iniciaram acampamento. Reprodução / Agropalma O gerente jurídico da Agropalma S.A., Marcelo Bastos, afirmou que a empresa adquiriu terras com "documentações bem frágeis" ao implantar o monocultivo de dendê na região do Acará, nordeste do Pará - o empreendimento é considerado o maior produtor de óleo de palma da América Latina. Desde 2018, a compra das terras é alvo de investigação pela Polícia Federal por indícios de grilagem. A área que a empresa atua no estado, inscrita no Sistema de Cadastro Ambiental Rural do Pará (Sicar/PA), no entanto, sobrepõe quase 9 mil hectares de território reivindicado e tradicionalmente ocupado por quilombolas das comunidades da Balsa, Turiaçu, Palmares e Gonçalves. Estas comunidades sofreram expropriação na década de 1980. São 8.861, 2844 hectares de terras públicas, que passaram ao Estado, por decisão judicial, mas continuam controladas pela empresa; e que ainda aguardam regularização fundiária em processo administrativo pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa). A Associação Brasileira de Antropologia reforçou o pedido de regularização - veja ao final. O processo pede reconhecimento de propriedade coletiva da terra rural e outorga de Título de Reconhecimento de Domínio, a favor da Associação dos Remanescentes de Quilombos da Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará (ARQVA), mas desde 2016, não tem resposta. Quatro cemitérios de comunidades tradicionais estão nas fazendas da empresa, sendo três de quilombo e um dos indígenas Tembé. Anualmente, ao irem até o local fazer limpeza e celebrar o Dia dos Finados, os quilombolas enfrentam seguranças patrimoniais da empresa. Quilombolas realizam limpeza de cemitério que fica dentro de área controlada pela Agropalma no Pará, em outubro de 2021. Reprodução / Associação dos Remanescentes de Quilombos Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará O Iterpa havia informado, na última sexta-feira (11), que discutiu em dezembro de 2021 as demandas dos quilombolas e que deveria enviar uma equipe nesta quinta (17) para fazer o levantamento da área. O g1 solicitou novo posicionamento, mas ainda não obteve retorno. Aquisição problemática O representante da Agropalma, Bastos, disse que, no ato da compra das terras, a empresa "achou que tinha adquirido de forma legal, mas há algum tempo foi descoberto alguns problemas cartorários com relação aos registros dos imóveis". "Então esses problemas nos atingiram, somos vítimas também disso, o que a Agropalma fez foi procurar os órgãos públicos, basicamente o Iterpa, para regularizar a situação. (...) Agora os processos estão em trâmite e é para isso que estamos atuando", afirma Bastos. Enquanto o processo não avança junto ao Iterpa, cerca de 70 quilombolas da Vila Palmares, incluindo crianças, decidiram ocupar a fazenda "Roda do Fogo", desde o dia 6 de fevereiro. A propriedade é uma das 11 fazendas que tiveram matrícula cancelada pela Justiça em 2018, devido às fraudes envolvendo grilagem de terras. Mas, os quilombolas se depararam com seguranças armados, encapuzados, e com bloqueios feitos pela empresa com uso de retroescavadeiras e contêineres. Em decisão no último sábado (12), o desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior suspendeu uma determinação da 1ª Vara Cível e Criminal de Tailândia, município vizinho ao Acará, para apuração policial de supostos crimes ambientais que estariam sendo cometidos pelos quilombolas. O pedido havia sido feito pela Agropalma e a Defensoria Pública do Estado (DPE) recorreu. O desembargador entendeu que houve "ilegalidade (por parte da Agropalma) na ameaça à coação à liberdade de locomoção dos pacientes". Uma audiência pública deve ser realizada para debater a situação nesta quinta-feira (17). Confronto eminente Sobre os bloqueios aos quilombolas, que ocorrem há uma semana, o diretor de sustentabilidade da Agropalma, Tulio Dias Brito, argumenta que a tentativa é de não deixar que a quantidade de pessoas aumentasse no acampamento dos quilombolas. "Toda vez que aumenta o número de pessoas, o nível de tensão fica maior, e todos os riscos aumentam, então a gente começou a criar barreiras físicas para impedir e dificultar o deslocamento por dentro das áreas da empresa, principalmente os carros e também motos", relata Brito. Um buraco com 2 metros de profundidade foi cavado pela empresa no entorno da comunidade Vila Palmares - veja no vídeo abaixo: Barricada aumenta tensão em área de conflito entre quilombolas e empresa no PA O diretor Brito alega, ainda, que a empresa nunca foi procurada pelas lideranças do acampamento nem por agentes públicos. "Depois que entraram na área, tentamos por pelo menos duas vezes falar com as lideranças, mas o pedido foi recusado". Já as lideranças quilombolas, ouvidas pelo g1, negaram que tenham sido procuradas e afirmaram que a empresa deve, na verdade, lidar com os órgãos competentes. Na semana em que começou a tensão mais acirrada, o Ministério Público do Pará e a Defensoria Pública Agrária do Pará ajuizaram duas ações contra a empresa, após ela ter sido recomendada a não mais promover o bloqueio do transporte de quilombolas. Por fim, Tulio Brito afirmou que a a intenção da Agropalma é que a área da fazenda "Roda do Fogo" seja desocupada e que a questão seja resolvida, "sem qualquer tipo de confrontação". "A gente conta muito com a sensibilidade dos agentes estatais que acompanham essa situação para buscar uma solução que resolva isso, sem precisar de qualquer confronto". MP do Pará entra com ação para garantir acesso de quilombolas a acampamento Nota pública A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) divulgou, na última segunda-feira (14), uma nota pública cobrando das autoridades uma resposta ao pedido de reconhecimento do território quilombola no Alto Rio Acará. Os pedidos são: Coibir toda e qualquer forma de violência contra as comunidades promovida pela Agropalma e seus seguranças e pela Política Militar do Pará; Realizar uma diligência idônea com o objetivo de reconhecer a gravidade da situação e evitar tragédias maiores diante do acirramento dos conflitos territoriais e do risco de vida enfrentado pelas famílias quilombolas ameaçadas; Garantir as condições de sobrevivência das famílias, como o livre acesso ao rio Acará, de forma a estancar o deslocamento compulsório dos quilombolas do seu território; Paralisar imediatamente todos os projetos desenvolvimentistas até o cumprimento do protocolo de Consulta Livre, Pública e Informada, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); Retomar imediatamente o processo de regularização fundiária do território quilombola do Alto Rio Acará (PA) pelo Iterpa do Estado do Pará. A nota cita, ainda, que a "ABA e o seu Comitê Quilombo expressa permanente solidariedade às famílias quilombolas e reitera o pedido de manifestação urgente das autoridades públicas competentes para a aplicação dos preceitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e assegurar a defesa dos direitos territoriais quilombolas". MAIS VÍDEOS com notícias do Pará: Veja as últimas notícias do Pará
Fonte: G1 Pará
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